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sexta-feira, 6 de julho de 2012

RESILIÊNCIA

A palavra tem sonoridade estranha e significado pouco conhecido, mas pode
fazer a diferença na sua vida. O conceito vem da física: é a propriedade que
alguns materiais apresentam de voltar ao normal depois de submetidos à
máxima Tensão. As fibras de um tapete de náilon são o exemplo simplificado
dessa ação - elas recuperam a forma assim que acabam de ser pisadas e
amassadas. A psicologia tomou emprestada essa imagem para explicar a
capacidade de lidar com problemas, superá-los e até de se deixar transformar
por adversidades. Detalhando melhor, o resiliente não se abate facilmente,
não culpa os outros pelos seus fracassos e tem um humor invejável. Para
completar o leque de requintes, ele age com ética e dispõe de uma energia
espantosa para trabalhar. Perfil de herói? Parece. Mas essa qualidade é
encontrada em gente de carne e osso. Segundo Haim Grunspun, professor de
psicopatologia da PUC-SP, um terço da população do mundo tem traços de
resiliência.
Os especialistas em comportamento começaram a estudar o tema, lembra
Grunspun, quando se colocaram diante da interrogação: por que - em
comunidades atingidas por enchentes, terremotos, perseguições raciais,
violência e guerras - algumas pessoas se saem bem e outras não? Chamava a
atenção um detalhe: aquelas que venciam um obstáculo se mostravam
"vacinadas" para enfrentar o próximo. Que fenômeno seria esse? Até os anos
90, os estudiosos defendiam que a habilidade para administrar conflitos era
inata, como um dom. A partir daí, comprovaram que o homem pode, sim,
desenvolver a capacidade de se recuperar e de crescer em meio a sucessivos
problemas. Grunspun acredita que é na infância que se aprende melhor esses
conteúdos. Ele está lançando o livro A Criança Resiliente: Quando e Como
Promover Resiliência para ajudar a criar essa mentalidade desde cedo. Nas
escolas de Nova York, foram distribuídos em setembro passado 2 milhões de
cartilhas para que alunos entre 8 e 11 anos possam crescer resistentes. A
medida foi tomada depois que psicólogos atestaram a eficácia da intervenção
social, com base na resiliência, adotada com os filhos das vítimas do
atentado às torres gêmeas.
Mas também é possível desenvolver resiliência na vida adulta. A velocista
Ádria Rocha, 29 anos, a maior estrela do universo das paraolimpíadas, com
uma coleção de medalhas de ouro e prata, pode ser um bom modelo para você se
inspirar. Ela garante que se torna mais resistente a cada dia. Filha de um
pedreiro e de uma costureira, Ádria e outros três irmãos, entre nove, têm
retinose pigmentar, doença que atinge a retina e pode levar à cegueira.
Mineira de Nanuque, a atleta conta que enxergava minimamente e que amargou a
discriminação de professores e de colegas por causa da dificuldade de
aprender. Superou o drama ao encontrar sua expressão no esporte. Já havia se
destacado nas Paraolimpíadas de Seul, quando, aos 15 anos, se deparou com
uma gravidez precoce. Casou e abandonou as pistas por exigência do marido.
Aos 18 anos, mais problemas: ficou completamente cega. A nova realidade fez
com que Ádria juntasse forças para se separar e voltar aos treinos. Sem
patrocínio, sustentava a filha, Bárbara, vendendo bilhetes de loteria nas
ruas de Belo Horizonte. Títulos e medalhas vieram um atrás do outro, até
conquistar o primeiro lugar no ranking mundial. Ela detém o recorde de 12
minutos e 34 segundos nos 100 metros rasos, obtido em 2000, em Sydney. "Se
ficasse choramingando, usando como desculpa a falta de dinheiro, de visão e
de marido, com certeza não chegaria a lugar algum", diz. Quem ouve a
história de Ádria imagina que seja a mulher-maravilha. Não é. Ela desmoronou
no ano passado, ao sofrer uma contusão no joelho e uma cirurgia. "Tive medo
de não conseguir mais correr", revela. Para essas pessoas especiais, porém,
um empurrão basta. No caso da atleta, veio da fisioterapeuta Vanda Sampaio.
"Ela me acompanhou nos exercícios e me ajudou a recuperar a autoconfiança."
Uma das principais especialistas em resiliência, a psicóloga Cenise Monte
Vicente explica que, para desenvolver essa capacidade, nós precisamos
encontrar apoio - mesmo que pequeno - e sentir que alguém acredita em nós.
"O parceiro tem uma função restauradora", garante. Ela chegou a essa
conclusão analisando o caso de um garoto de família aristocrata que perdeu
os pais, ficou sem dinheiro e foi morar num convento de freiras, que o
agrediam. Toda vez que era mantido de castigo num porão, o garoto notava que
uma freira entrava e chorava. "Embora não falasse nada, a atitude dela
transmitia conforto. Era um momento de reparo, renovava a certeza de que
alguém acreditava nele." Outra descoberta de Cenise sobre o resiliente é o
distanciamento que mantém do moralismo e do papel de juiz. "Ele não julga
seus agressores, não classifica como maus os que o atrapalham e ainda é
capaz de compreender por que agiram de forma tão drástica", afirma. "Se
encaramos o adversário como um demônio poderoso, fica quase impossível lutar
contra ele." Mais: "Analisar o contexto e levar em conta todos os lados do
problema ajuda a pessoa a enfrentar melhor a situação que ela considera
irreversível".
Os Balboni não se deixaram sucumbir diante do adversário nem das
circunstâncias. A família de Luiz Fogaça Balboni, o Zizo, poderia ter vivido
um processo de desagregação, como ocorreu na casa de vários jovens
perseguidos pelo regime militar. Zizo foi morto em 1969, numa emboscada
montada na capital paulista pelo temido delegado Fleury, que caçava
oponentes da ditadura. O universitário de 24 anos pertencia a um grupo que
acreditava que a luta armada era a única forma de mudar o país. A polícia
transformou o velório dele, na pequena São Miguel Arcanjo (SP), num ato de
advertência. Durante anos, a cidade olhou feio para os Balboni, que tiveram
o crédito cortado até na mercearia. Na época, eles tentavam se levantar de
uma falência, e a divulgação de que Zizo seria um inimigo da ordem pública
só dificultou as coisas. A família, porém, arriscou novos negócios e se
reergueu financeiramente. Dezenove anos depois, foi reconhecida a
responsabilidade do Estado na morte do estudante e os Balboni receberam 125
mil reais de indenização. Ninguém pensou em torrar o dinheiro nas ilhas
gregas. "Tínhamos que aplicar em algo que representasse a luta dele", lembra
o irmão Aldo. Criaram, então, o Parque do Zizo, uma área de 300 hectares de
mata Atlântica, na região de São Miguel Arcanjo. Ali, preservam animais em
extinção e planejam pesquisar plantas com potencial farmacológico. No local,
fica um hotel para quem quer conhecer as trilhas da reserva. Além de
exorcizar a dor, a atitude gerou um benefício para outras pessoas.
O fatalismo e a vitimação passam longe dos resilientes. Nunca pensam: "Tudo
é difícil", "Não consigo mudar de rumo" ou "Ninguém faz nada por mim". Pelo
contrário, arregaçam as mangas, como os Balboni, para reverter a situação
indesejável. E têm metas bem definidas - nada de grandes devaneios, como
enriquecer, ficar famoso... Plano, para eles, é algo concreto, acessível e
realizável a curto prazo. Cenise chama isso de escada-sonho: você elege um
projeto e, quando ele está realizado, escolhe outro, que, concretizado,
servirá de trampolim para mais uma etapa. Na escada-sonho de Ádria os
degraus estão próximos. "Me vejo quebrando o meu recorde nas Paraolimpíadas
de Atenas este ano, cursando fisioterapia e depois comprando uma casa",
revela. "É isso mesmo", explica Cenise. "Os projetos dos resilientes vêm
acompanhados de imagens. Quem não consegue se projetar no futuro
dificilmente realiza seus desejos."
Uma atitude importante: não considerar prejuízo as perdas que ocorrem. Com 2
anos, Elisa Boéssio, 22, perdeu a mãe, que sofria de câncer. Foi então
criada pelo pai, o maestro gaúcho José Pedro Boéssio, que lhe ensinou a ser
livre, positiva e a viver de bem com o mundo. Há três anos, o maestro morreu
num acidente de carro com outros dois filhos do segundo casamento. "Sofri
muito, mas não considero só o fato de perdê-los. O episódio me levou a
mudanças de rumo", declara Elisa, que mora sozinha, em Porto Alegre.
"Aprendi que o meu centro de apoio deve estar em mim. Se estivesse centrada
na presença física do meu pai, que amei tanto, teria enlouquecido." Ficaram
os valores que ele ensinou. "Parece que escuto sua voz dizendo onde erro,
quando acerto... me educo com essas lembranças." Desde pequena, Elisa não
permite que tenham pena dela. "Por que deixaria que me considerassem uma
coitada? Ouvi fitas gravadas pela minha mãe, ainda doente, em que ela pede
para eu ser feliz, ter amigos, ir à praia." A mudança de rumo a que Elisa se
refere incluiu alterações até de ordem prática. Ela havia passado no
vestibular de direito uma semana antes do acidente que vitimou a família. O
episódio, que parecia atordoá-la, colaborou na reflexão sobre outros
setores. "Estava indo para algo que não era minha verdadeira vocação",
conta. Meses depois, trancou a faculdade, fez cursinho e entrou em medicina.
"Nas dificuldades, também reside a oportunidade de crescimento", diz Olga
Falceto, professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. "A crise é representada, no ideograma chinês,
por um símbolo que traduz perigo e oportunidade ao mesmo tempo", lembra.
Para perceber as chances que a crise traz, Olga sugere: "Dê um tempo para
pesar prós e contras. Assim, a ansiedade diminui". O próximo passo é se
nutrir das pequenas vitórias que você conquistou, mas que acabou
minimizando. Depois, conecte-se com a forma utilizada para atingir aquelas
vitórias. Por último, inspire-se nos ídolos que superaram problemas.
"Trabalhando os recursos pessoais, o lado saudável, você se fortalece muito
mais do que se ficar enfatizando as suas deficiências e os seus conflitos",
diz. Pronto, agora ficou mais fácil iniciar um projeto de resiliência para
melhorar a sua vida.
Manual de superação 
No momento da crise, formule uma explicação para o que está ocorrendo:
analise as circunstâncias, a seqüência dos fatos e as razões do adversário.
Tente entender os seus sentimentos em relação a tudo isso.Pense no que vai
fazer quando sair da crise. Fica mais fácil suportar a dor ao se imaginar no
futuro.
O tempo que rege o resiliente é o presente. Comece, agora, a mudar a
situação indesejada: estude, trabalhe, seja livre.
Estabeleça vínculos com pessoas que podem representar coragem e estímulo.
Mas não espere que uma delas faça o papel do salvador da pátria para
resgatá-la do fundo do poço. A melhor saída é sempre aquela que você
encontra.
Valorize as pequenas vitórias. Lembre-se de como as conquistou e veja que
pode ousar de novo. Isso traz autoconfiança.
Não pense só em você, mas nos que vão se beneficiar da sua conquista ou
tomar sua história como exemplo

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